"Guerra entre bactérias ajudará
a conservar alimentos
Heitor
Shimizu, da AGÊNCIA FAPESP
Aumentar o valor nutricional e
melhorar a segurança de produtos alimentícios a partir da
utilização de compostos produzidos por microrganismos presentes nos próprios
alimentos são objetivos de um grupo de pesquisadores no Estado de São Paulo.
Para avançar nos resultados de
seus estudos, eles contam com a colaboração de colegas argentinos.
Em São Paulo, o grupo é
formado por cientistas do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research
Center, FoRC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da
FAPESP.
Os colaboradores na Argentina
integram o Centro de Referencia para Lactobacilos (Cerela).
Um dos resultados da pesquisa foi a
bem-sucedida utilização de bacteriocinas para aumentar a segurança do queijo
minas, um queijo típico brasileiro e muito fácil de ser preparado, como
explicou Bernadette Gombossy de Melo Franco, coordenadora do FoRC e professora
titular da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo
(USP).
“O queijo minas é feito em
pequena escala no Brasil e tem muitos casos de contaminação por Listeria
monocytogenes. Nosso propósito foi usar bactérias que já estão no leite,
selecionando entre elas as que são produtoras de bacteriocinas, isolando-as e
colocando-as de volta no leite com a função específica de inibir a
multiplicação do patógeno e, com isso, poder produzir o alimento com maior
segurança. Conseguimos um efeito semelhante na produção de leite de cabra”,
disse Franco, em palestra na FAPESP Week Buenos Aires que integrou o painel
“Alimentos Funcionais”.
Mas o que são essas
bacteriocinas, que têm atraído a atenção de pesquisadores e da indústria de
alimentos?
“São polipeptídeos sintetizados
nos ribossomas de bactérias láticas que exibem atividade bactericida ou
bacteriostática, ou seja, ou matam microrganismos ou inibem a sua multiplicação
sem matá-los”, explicou Franco, que é pró-reitora de Pós-Graduação da USP.
Por sua vez, as bactérias láticas
são microrganismos presentes em vários ambientes e que apresentam a propriedade
de transformar açúcares (carboidratos) em ácido lático.
“Essa propriedade pode ser
explorada de várias maneiras tecnológicas para aumentar o valor nutricional ou
a segurança do produto alimentar. E elas podem ter muitas outras funções. Em
fins terapêuticos, por exemplo, já que podem ser utilizadas como vetores de uma
série de genes responsáveis pela produção de compostos importantes do ponto de
vista médico, ou químico, devido à grande variedade de compostos que elas podem
produzir”, disse Franco.
“O grupo das bactérias láticas
é muito grande, composto de mais de 200 gêneros de microrganismos diferentes. E
são vários os compostos que elas produzem e que podem ter atividade funcional,
ou seja, agregar benefícios ao alimento onde estão. Podem ser enzimas,
vitaminas, exopolissacarídeos, adoçantes, probióticos e compostos com atividade
antimicrobiana”, disse.
E é nessa atividade
antimicrobiana que está o interesse da pesquisa feita no FoRC e no Cerela.
“Esses agentes
antimicrobianos, que podem ser usados tanto na área médica como na conservação
de alimentos, são também muito variados. Podem ser ácidos orgânicos, diacetil,
peróxido de hidrogênio, dióxido de carbono, compostos de baixo peso molecular
e, principalmente, as bacteriocinas”, contou Franco, que é membro da
Coordenação da Área de Engenharia e da Coordenação Adjunta do Plano Diretor de
Ciência, Tecnologia e Inovação para o Estado de São Paulo da FAPESP.
A pesquisadora explica que as
bactérias láticas são utilizadas como bioconservantes em alimentos há milênios
– cerca de 6 mil anos a.C. –, sem que se soubesse qual era o composto químico
responsável pela conservação.
“Um exemplo de aplicação
prática das bacteriocinas na conservação de alimentos está no controle da
bactéria Listeria monocytogenes, um patógeno que causa doenças de gravidade
variada, podendo levar até a morte um indivíduo afetado. Trata-se de um
microrganismo psicrotrófico, isto é, que se multiplica em ambiente refrigerado,
em temperaturas em que são armazenados os alimentos. É resistente ao sal e a
desinfetantes e tem a capacidade de aderir à superfície dos equipamentos
utilizados pela indústria de alimentos, formando os chamados biofilmes. E
sobrevive por longo tempo nesses ambientes”, disse Franco.
Nova definição
Franco explica que a definição
científica usada desde 1994 para as bacteriocinas afirma que sua atividade é
importante apenas contra outras bactérias com as quais elas são geneticamente
relacionadas. E aí entra outra contribuição da pesquisa feita no FoRC.
“Nós estamos contribuindo com
informações e mostrando que essa classificação precisa ser revista. Em um artigo publicado por
nosso grupo com nossos parceiros argentinos, mostramos que as bacteriocinas são
ativas também contra vírus e contra leveduras”, disse.
“Também conseguimos resultados
importantes ao encapsular bacteriocinas em nanovesículas de lipídeos,
protegendo as bacteriocinas da própria ação da matriz alimentar”, contou
Franco.
As descobertas salientam a
importância de pesquisas sobre as bacteriocinas e outros compostos com
atividade funcional. Com tanto potencial de aplicação, o interesse tem sido
cada vez maior.
“Estudos com bacteriocinas têm
crescido muito nos últimos anos, com um grande aumento no número de publicações
científicas sobre o tema em todo o mundo, inclusive no Brasil. Mas precisamos
de mais estudos para melhorar o conhecimento atual das possíveis aplicações das
bacteriocinas para a conservação de alimentos”, disse Franco.
“Entretanto, é importante
destacar que as bacteriocinas não são uma panaceia que vai resolver o problema
da contaminação de alimentos. Elas são uma ferramenta a mais, que podem ser usadas
em conjunto com outros métodos de preservação de alimentos. Sua atividade
depende, por exemplo, da própria cepa da bactéria, da matriz alimentar onde se
encontra e é afetada por fatores ambientais”, disse.
Na palestra em Buenos Aires,
Franco falou também sobre um projeto conduzido em parceria com pesquisadores da
Universidad Tucumán e do Cerela, selecionado em chamada de proposta lançada
pela FAPESP em parceria com o Conicet.
No projeto, os pesquisadores
buscam bactérias láticas produtoras de vitaminas em produtos artesanais na
Argentina e no Brasil para a produção de alimentos funcionais, enriquecidos com
folatos e riboflavinas.
Pão sem glúten
O painel “Alimentos
Funcionais”, que teve como coordenadora a professora Maria Cristina Añon, da
Universidad Nacional La Plata, contou com palestra de Maria Taranto,
pesquisadora do Departamento de Biotecnologia em Alimentos do Cerela, que falou
sobre o uso de probióticos láticos em alimentos funcionais.
Vanessa Dias Capriles,
professora na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), falou sobre desafios
tecnológicos e nutricionais na panificação sem glúten.
Em pesquisa com apoio da
FAPESP por meio do programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes, ela
busca desenvolver pão sem glúten com boa qualidade tecnológica, tanto
nutricional como sensorial, “de modo a contribuir para a melhor nutrição, saúde
e qualidade de vida dos indivíduos celíacos”.
Capriles destacou que a doença
celíaca é uma das intolerâncias alimentares de maior prevalência mundial e está
impulsionando a demanda por produtos sem glúten.
“Entretanto, o glúten é uma
proteína estruturante essencial para a elaboração de pães. Por isso, a obtenção
de pães sem glúten é um desafio tecnológico”, disse.
Encerrando o painel, Daniel
Barrio, professor na Universidad Nacional de Río Negro, falou sobre peptídeos
bioativos provenientes de proteínas alimentares."
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